O Fórum de Política de Alto Nível (FPAN) decorreu de 9 a 18 de Julho na sede da ONU, em Nova Iorque, sob os auspícios do Conselho Económico e Social (ECOSOC).

Anualmente, no âmbito deste importante reunião, a ONU e os Estados Membros analisam os resultados em relação aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com o escrutínio de um conjunto particular de metas.

O FPAN 2019 foi particularmente relevante para as Organizações da sociedade civil uma vez que o ODS 4 relativo à Educação foi analisado pela primeira vez, em conjunto com o ODS 8 (Crescimento Económico), o ODS 10 (Desigualdades), o ODS 13 (Alterações Climáticas), o ODS 16 (Paz e Instituições Eficazes) e o ODS 17 (Parcerias para a Implementação dos Objectivos). Este FPAN veio também concluir a primeira fase de análises desde a adopção dos ODS em 2015.

Um espaço oficial, mas com limites

A primeira semana do FPAN visou a análise temática dos 6 ODS seleccionados. No decurso das sessões oficiais, a sociedade civil pode participar através dos Grandes Grupos e outras Partes Interessadas (MGoS) a quem é dada a palavra para 2 minutos de testemunho, declaração, ou perguntas. O Moderador por decidir dar mais ou menos tempo a estes MGoS ou representantes do Estados. Por exemplo, durante a análise do ODS16 que durou 3 horas, os MGoS só tiveram a palavra por um total de 6 minutos…

Apesar das dificuldades, destacamos na edição deste ano o facto de Madeleine Zúñiga, Vice-Presidente da Campanha Global pela Educação (CGE), ter sido escolhida como representante do Grupo de Partes Interessadas na Educação & Academia (EASG[1]) e como oradora principal no âmbito da análise formal do ODS4. Madeleine proferiu uma declaração vigorosa sobre o poder transformador da educação, granjeando o forte aplauso tanto da plateia (Estados) como dos balcões (sociedade civil). Robert Napier da  União Europeia de Estudantes (ESU) também teve a palavra por uma breve minuto para comentar a Educação e as Desigualdades em representação da EASG.

Durante a segunda semana, os países avaliaram os respectivos progressos para os objectivos, as chamadas Análises Nacionais Voluntárias (VNRs). Estas VNR pretendem ser participadas e inclusivas de todas as partes interessadas como a sociedade civil na fase preparatória. Alguns Estados seguiram este processo, convidando representantes da sociedade civil e dos jovens para os acompanhar e apresentar o seu relatório em palco, como foi o caso do Gana.

Ghana National Education Campaign Coalition(GNECC) referiu que ” Foi a primeira vez que o Governo do Gana se sujeitou a um processo de Análise Nacional Voluntária. […] O destaque deste processo de VNR vai para a colaboração efectiva entre a sociedade civil e o governo tanto antes como durante a apresentação do relatório nacional voluntário”.

01Madeleine Zúñiga delivering an official statement on SDG4 during the official review

Infelizmente, noutros casos, a sociedade civil não foi tida nem achada no processo. O processo de VNR foi na sua génese concebido como um “debate participativo” aberto a declarações e comentários de outros Estados, representantes da ONU e Sociedade civil. Contudo, a participação da sociedade civil através dos MGoS foi limitada a dois minutos, mesmo a participação de Estados num painel, o que basicamente significava comentar em dois minutos as VNR de até 4 Estados. Neste sentido, os representantes da sociedade civil tinham de se coordenar activamente para conseguirem fazer passar as principais mensagens em tão pouco tempo.

Como declarou Magaly Avilla do Foro por el Derecho a la Educación Pública, Chile, “Embora fosse a segunda vez que o Governo Chileno apresentou o seu Relatório Nacional Voluntário, as organizações da sociedade civil nunca foram consultadas no decurso da preparação deste documento. Durante o FPAN, trabalhámos com os representantes dos Grandes Grupos no sentido de incluir na declaração questões sobre a criminalização de estudantes no Chile, falta de prioridade conferida ao financiamento do ensino público, a implementação e acompanhamento do Plano Nacional para os Direitos humanos, a garantia de inclusão da Educação Sexual e Reprodutiva nos curricula escolares para reduzir a gravidez na adolescência e a eliminação de programas baseados no género do Ministério da Saúde.

Eventos paralelos: uma oportunidade para debates mais ricos

Uma das grandes lições a retirar com a participação da sociedade civil no FPAN foi a descoberta de outros espaços para além das sessões oficiais com melhores oportunidades de promoção e debates substantivos. Os vários eventos à margem organizados durante as duas semanas de Fórum deram provas de uma sociedade civil vibrante. A educação estava na agenda de muitos debates intersectoriais, com perspectivas da comunidade científica, do ensino superior, da primeira infância, da educação inclusiva e da aprendizagem ao longo da vida.

Os representantes da CLADE, da ASPBAEe da ANCEFAparticiparam e organizaram muitos encontros.

Relacionar o ODS4 com a educação em emergências, pessoas portadoras de deficiência, democracia, paz, cidadania e desigualdades.

No dia 12 de Julho, o Secretariado CGE em conjunto com a Global Campaign for Education-United States, a Light for the Worlde a RESULTS organizaram um dia produtivo sobre a educação no Center for Social Justice da Fundação Ford. Em jeito de balanço deste dia, a GCE-US realçou: “Tivemos oportunidade de ouvir várias peritos nas áreas da educação inclusiva e desenvolvimento na primeira infância para crianças portadoras de deficiência, de organizações como a Right to Education Index, Análises Nacionais Voluntárias sobre a educação numa série de países e da construção de sistemas educativos mais robustos capazes de resistir às ameaças da privatização. Cada uma das sessões visada uma única perspectiva para promover o ODS4. Mas os princípios da inclusão, qualidade e equidade eram prioridades comuns transversais tanto às prelecções dos oradores como nos participantes na audiência. “

02Encontro EASG

Ao serão, o Grupo de Partes Interessadas na Educação & Academia acolheu uma sala cheia para um encontro à margem do FPAN na sede da ONU com Manos Antoninis, Director do Relatório de Monitoramento Global da Educação da UNESCO (UNESCO GEM report) e com Sylvia Montoya Directora do o Instituto de Estatísticas da UNESCO (UIS como Oradores Convidados. O debate em torno do “Reforço dos sistemas educativos públicos” começar por desfazer alguns mitos sobre o financiamento da educação. “Os países em desenvolvimento perdem USD 500 mil milhões por ano em evasão fiscal. Com sistemas fiscais adequados haveria fundos suficientes para a educação” afirmou Katarina Popovic do ICAE– Conselho Internacional de Educação de Adultos. Em relação ao desenvolvimento da inteligência artificial nas aulas, esclareceu: “Nenhuma aplicação pode substituir o professor. A Educação não se limita a um exame, visa a formação de cidadãos e do pensamento crítico.” Foram levantadas ainda outras questões sobre a necessidade de dados mais completos, sobre “a preocupante tendência agentes privados com fins lucrativos que intervêm na produção de conteúdos educativos cada vez mais prejudiciais ao direito à educação e que levam à exploração dos professores” (Antonia Wulff, EI). Manos Antoninis, do Relatório GEM, acrescentou ainda: “Para garantir o direito à educação às populações migrantes temos de nos focar nos conteúdos, na formação de professores e no financiamento.”

Desafiar os Estados com Relatórios-Alvo

As organizações da sociedade civil podem ainda envolver-se no processo elaborando e disseminando “relatórios-alvo”. Trata-se de um relatório alternativo sobre o ponto de situação dos ODS e que muitas vezes acabar por pôr em causa a análise oficial. A participação do processo oficial não impede as OSC de trabalhar nos seus próprios relatórios como o GNECC, por exemplo: “As organizações da sociedade civil no Gana participaram activamente em todo o processo nacional e apresentaram um relatório sombra  sobre a análise nacional voluntária[…]. O GNECC também desenvolveu um relatório-alvo que destacou a evolução ambígua no Gana em termos de prestação de serviços educativos e a necessidade de medidas mais fortes para lidar com os fracos resultados de aprendizagem e as crescentes desigualdades no ensino.”

Durante este ano, as OSC elaboraram vários Relatórios-alvoao nível nacional e regional, sendo unânimes quanto à necessidade dos Estados muscularem os seus esforços e investimentos para alcançar o ODS4 até 2030.

Entre as várias preocupações, muitas OSC apontaram o dedo à crescente tendência de privatização da Educação e ao seu impacto na aceleração das desigualdades e enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores e dos direitos humanos, bem como à dificuldade em cumprir o ODS4.7 no âmbito do estrangulamento do espaço democrático e perda de responsabilização dos Estados. Como afirma Victor Cristales do Colectivo de Educación para todas y todos, da Guatemala: “O contexto socio-económico e político na Guatemala é desfavorável com a generalizada evasão fiscal e impunidade. A procura da educação cresce, mas, com a frágil cobrança de impostos, não é prestada pelo Estado, o que acelera a privatização deste bem público.”

[1]O Grupo de Partes Interessadas na Educação & Academia é um dos Grandes Grupos e outras Partes Interessadas. A CGE, a Education International (EI), a ESU e o Conselho Internacional de Educação de Adultos (ICAE) constituem a parceria organizadora.

03Cecilia Soriano na apresentação do relatório-alvo regional da ASPBAE durante o encontro de 12 de Julho

Dar voz à Juventude

Tudo indica que o segmento ministerial deste ano, com as VNR, foi até à data o mais inclusivo em termos de dar voz às crianças e jovens. Durante as duas semanas de FPAN, foram vários os encontros que visavam especificamente a inclusão de jovens e crianças ou com a juventude como parceira na concretização dos ODS, como foi o caso do painel de debate da UNESCO “Educação de qualidade inclusiva, equitativa e relevante para todos: um imperativo para o século XXI”.

A Juventude conseguiu ter voz ao mais alto nível e já ninguém lha tira! A rede Local2030 da família da ONU promoveu um encontro para dar destaque a exemplos positivos de resultados conseguidos quando os líderes juvenis têm voz e ferramentas.

Este ano, o FPAN coincidiu com o Dia Mundial das Competências dos Jovens e uma das salas da sede da ONU encheu-se de jovens activistas de todo o mundo. Ficou clara a necessidade de alterar as estruturas para que os jovens se possam envolver na resolução dos seus problemas e a importância da aprendizagem ao longo da vida para emagrecer a fileira do desemprego, na qual os jovens são uma larga fatia. Também se conclui que todos ganham com a participação da juventude nestes encontros: se os jovens emprestam conhecimento e soluções, os jovens que participam de forma igual também levam para casa novos conhecimentos e novas formas de aprendizagem.

Finalmente, os jovens ocuparam um lugar especial na sessão organizada pela Bridge 47, que congregou especialistas na área da edução, decisores políticos, representantes governamentais, incluindo do Ministério da Educação da Finlândia e o Representante das Fiji na ONU. Este encontro foi uma oportunidade para reflectir sobre a importante de pôr o ODS4.7no centro das políticas educativas, sobretudo no que diz respeito à cidadania global e à democracia. E a dada altura, foi feita a pergunta, O que nos impede de sermos a mudança que queremos? E a resposta foi clara:

04Sondagem interactiva durante o encontro da Bridge 47

Avaliar o Impacto e seguir em frente

O feedback geral partilhado durante a Convenção da CGE, que reuniu cerca de 40 representantes da sociedade civil no sábado, 13 de Julho, referiu o espaço limitado que é dado à participação da sociedade civil ao longo das sessões oficiais e a necessidade de trabalhar antecipadamente com os Estados para conseguir um melhor impacto. Numa perspectiva política, trabalhar num âmbito mais transversal (desde a primeira infância à educação de adultos) e reforçar as parcerias intersectoriais são os dois passos para seguir em frente.

A maioria dos participantes reconheceu o valor do FPAN como uma grande oportunidade para criar redes e partilhar ideias. “Foi uma experiência gratificante poder partilhar com outras organizações que trabalham no reforço do ensino público, sobretudo, na justiça social” (Magaly Avilla, Foro por el Derecho a la Educación Pública, Chile).

As palavras de Maggie Kern tiveram eco (Light for the World) “Emresumo, participar no Fórum de Política de Alto Nível é uma forma magnífica para encontrar novos aliados para a inclusão e trazer novas pessoas para o nosso barco da inclusão. Todavia, também vi que ainda há um longo caminho a percorrer para o cumprimento do princípio “Ninguém fica para trás” subjacente aos ODS.”

Embora tenha sido muito gratificante ver a educação reconhecida como um ODS chave para cumprir todos os outros, ainda temos reservas quanto a influência crescente da ideologia neo-liberal que aproveita os atrasos na concretização do ODS4 para fazer pressão por uma “acção rápida” e deliberadamente fechar a porta a soluções comprovadamente sustentáveis que implicam o reforço dos Estados e mais justiça fiscal.

Nas palavras de Madeleine Zúñiga“Estamos convictos de que a educação é um instrumento poderoso para transformar vidas e, por conseguinte, transformar o mundo, mas não qualquereducação, se não a que é um instrumento de desenvolvimento sustentável, justiça social, sociedades autenticamente democráticas, cidadania global, cultura da paz que o mundo precisa de facto. Uma educação de qualidade que assuma as várias dimensões da diversidade para conceber modelos e estratégias que sejam relevantes para as características de diferentes sociedades e sobretudo focada nas pessoas e na sua dignidade.”

Autores

Maryline Mangenot com os contributos de Astrid Schmidt, Luis Eduardo Perez Murcia, GCE-US, GNECC, Magaly Avilla, Victor Cristales, Light for the World.

Todos os créditos de fotografia @GCE

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A Campanha Global pela Educação (GCE) é um movimento da sociedade civil que tem como objectivo acabar com a exclusão na educação. A educação é um direito humano básico, e a nossa missão é assegurar que os governos actuam agora para garantir o direito de todos a uma educação pública gratuita e de qualidade.